quarta-feira, 24 de abril de 2013

A igreja não pertence a Deus

Saiu na Folha.

“Padre desiste de esperar reforma e fecha igreja onde está Aleijadinho Com a estrutura do telhado sob risco de desabar, a igreja de Nossa Senhora da Conceição não tem mais missas nem está aberta para turistas que visitam a cidade histórica de Ouro Preto (MG).
A igreja, que foi construída no século 18 e abriga o túmulo do artista barroco Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, está com as portas fechadas desde fevereiro.
A medida foi tomada pelo pároco Luiz Carlos Carneiro à revelia do Iphan, o órgão federal do patrimônio.
Sem saber quando haverá recursos para a restauração, o pároco fechou também o Museu do Aleijadinho, que funcionava na antiga sacristia, no consistório e no porão.
A decisão de fechar a igreja, segundo o padre, baseou-se no laudo de uma empresa de arquitetura e engenharia que avaliou problemas descobertos por um funcionário do templo. A análise recomendou o fechamento ‘imediato’, afirma o pároco”.

É fácil esquecermo-nos que as igrejas são locais privados. O fato de podermos entrar para orar, visitar, tirar fotos ou simplesmente sentar e descansar, não significa que ela se torna um local público. Ela é apenas uma propriedade privada que está aberta ao público graças à decisão de seu dono. O mesmo vale para templos de qualquer outra fé ou filosofia (daí os pastores de igrejas evangélicas poderem impedir a entrada de jornalistas nos templos, ou pedir para que se retirem de lá).

E o dono do local – ao menos para a lei – não é deus ou qualquer outra divindade. É uma pessoa, seja ela um indivíduo (quase nunca é o caso) ou uma pessoa jurídica. No caso das igrejas, o comum é que o proprietário seja a arquidiocese local. O fato de serem tombadas pelo patrimônio não quer dizer que elas passaram a pertencer ao governo.

Segundo nosso Código Civil, as organizações religiosas são pessoas jurídicas de direito privado e, como tais, podem ser sujeitas de direitos e obrigações.

Entre seus direitos, está a possibilidade de ser dona de um imóvel. E entre suas obrigações está a de preservar a integridade física daqueles que estiverem naquele imóvel.

E é daí que parte a decisão de fechar a igreja: se alguém acaba machucado dentro da igreja por conta da negligência do dono do local, esse dono pode ser obrigado a reparar o dano causado ao visitante. Guardada as devidas proporções, a situação é similar aos donos de uma boate que pega fogo e mata dezenas de pessoas: eles se tornam civilmente obrigados a repararem os danos causados às vítimas (que continuarem vivas) ou às suas famílias (se houverem morrido).

O fato de a igreja receber ajuda financeira de instituições públicas ou privadas para a manutenção de seus imóveis, não altera sua propriedade sobre o imóvel. O que pode alterar – e quase sempre o faz – é que quem de alguma forma financia a manutenção do imóvel exigirá – por lei ou contrato – que seu financiamento o ajude a atingir um objetivo social ou comercial, como a cultura ou o marketing da empresa que contribuiu. E, para isso, quase sempre o imóvel precisa ser aberto ao público. Mas, novamente, isso não altera a relação de propriedade entre a Igreja e seu imóvel, e tampouco sua obrigação de preservar pela vida, segurança e saúde de quem ela aceitar como visitante.

O tombamento não modifica a propriedade do local e tampouco impede a transação com aquela propriedade. O que ele faz é estabelecer novos direitos e obrigações sobre aquela propriedade devido à sua importância histórica, arquitetônica, artística etc.

Da mesma forma, a inclusão de um imóvel, local ou conjunto na lista da Unesco (que chamamos comumente de patrimônio histórico da humanidade) é apenas o reconhecimento pela Unesco da importância cultural, histórica ou natural daquele local, conjunto ou monumento, baseado na Convenção para a Proteção do Património Mundial, Cultural e Natural. Tal reconhecimento não faz com que o bem passe a pertencer à Unesco: apenas facilita o recebimento de assistência internacional (técnica e financeira) e ajuda na divulgação turística do local.
 
Do Blog para entender direito

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