Era uma mulher linda. Morena, alta, bonita e sensual. Talvez ela fosse a solução para os meus problemas. E os de toda a humanidade. Para a Copa no Brasil. Para a truculência da PM nas manifestações e nas periferias. Para a fome na Somália. Para a guerra civil na Síria. Era uma menina bonita. Foi Miss Milho na cidadezinha de seis mil habitantes onde nasceu e cresceu. Nasceu tão bonita que, assim que saiu do ventre da mãe, a única coisa que tinha cara de joelho naquela menina era o próprio joelho. E cresceu indiscutivelmente, era, enfim, uma mulher linda.
É difícil perdoar erros gramaticais quando se cresceu levando a Novíssima Gramática Ilustrada do Sacconi ao banheiro para a hora do número dois. Ou quando, na impossibilidade de carregar aquela verdadeira bíblia, os rótulos de shampoo, com seus inesquecíveis lauril éteres sulfato de sódio e cocoamidopropil betaínas, se tornavam leitura obrigatória no espaço de tempo entre abaixar as calças e botar a mão no papel higiênico. Mas eu juro que tento me policiar, porque patrulheiros do bom português são chatos. Patrulheiros de qualquer coisa são chatos, aliás. E eu sou um puta dum chato. Muito mais chato do que puto – pra esclarecer as coisas.
Antes que vocês façam uma ideia errada de mim: eu nunca quis uma mulher que me declamasse poemas. Não tenho um pingo de paciência para preciosismos. Às favas todos os poetas, suas rimas, suas métricas e suas segundas pessoas do plural e do singular. Às favas Vinícius de Moraes com seus sonetos. Da fidelidade, da amiga, do amor total, do caralho a quatro. Às favas as ênclises, próclises e mesóclises que você usa devidamente. E às favas meu português correto de merda. Porque, olha, quando alguma coisa desponta mais forte aqui dentro do peito, não importa se é “mais” ou “mas”. Se é “seje” ou “seja”. Se é “menas” ou “menos”. Se é “iorgute” ou “iogurte”. Quando o amor – ou o tesão – fala mais alto, a gente comete o crime de perdoar milhares de vírgulas entre sujeitos e predicados, centenas de “as” craseados indevidamente e dezenas de oxítonas terminadas em U acentuadas. E sem chance de arrependimento.
Às corajosas pretendentes de toda a vida que me mandaram mensagens de texto, aqui vai um recado: eu avaliei. Eu fiz a análise sintática, semântica e morfológica. Eu reli cada oração em busca de uma ambiguidade. E eu encontrei erros. Mas acima dos erros, encontrei acertos. Porque a atitude de escrever vale muito mais do que escrever direitinho. Ter coragem de chamar o menino para sair vale muito mais do que declamar-lhe um poema – escrito por você ou por qualquer Maria Bethânia. Dizer um simples e sonoro “eu te amo” é muito mais precioso do que qualquer preciosismo. Porque convenhamos: se dominar o idioma fosse sinônimo de sucesso na vida amorosa e sexual, seguuuura o professor Pasquale. Que, sem dúvidas, manda muito bem na língua portuguesa. Mas que talvez – só talvez – não saiba que usar bem a língua pode significar mais do que arrasar nas análises sintáticas e nos tira-dúvidas do Telecurso 2000. Muito mais.
Por Bruna Grotti, do Portal Casal Sem Vergonha, com as devidas adaptações deste Blog.
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